segunda-feira, maio 25, 2009

Ao Garoto artista, até que descubra seu verdadeiro nome

Estava feliz na Lagoa da Conceição, em um ambiente bem freqüentado em Florianópolis, onde desfilam diversas pessoas interessantes. Trata-se de um tradicional café da cidade, espaço reconhecido por agregar um ótimo nível cultural e por receber visitas constantes de estrangeiros. O local é realmente muito acolhedor e merece toda badalação.
Neste dia, um amigo canadense acompanhava-me. Comíamos uma sopa deliciosa, seguida de uma sobremesa que não é digna de minha descrição, pois faltariam adjetivos.
A conversa era agradável, um momento aparentemente rico e pleno.
Em dado momento, um jovem artista, que freqüenta alguns cafés da Lagoa em busca de clientes para realizar suas caricaturas, nos abordou com sutileza.
Não fora a primeira vez que o vi passando por ali. Aliás, ele evoluíra consideravelmente em sua abordagem, mesmo apresentando bastante dificuldade cognitiva. Creio que algumas pessoas já estejam dando dicas para que consiga se superar.
Eu, no entanto, tive mais uma vez a oportunidade de contribuir e congelado não fiz nada, assim como a maioria esmagadora naquele dia.
Discretamente, pediu-nos licença, e com voz tremula perguntou: _ Posso fazer uma caricatura de vocês?
A resposta padrão, aquela criada inconscientemente para não se identificar com a dor alheia, logo soou no ar do café. _ Não muito obrigado amigo, hoje não, respondi. A mesma dita por vários outros naquele dia.
E tremendo, com medo, o jovem argumentou: _ Por favor, só para viabilizar minha passagem de ônibus até em casa.
_ Não, muito obrigado, hoje não. Respondi.
O garoto possui suas peculiaridades. Nem por isso é deselegante, muito pelo contrário.
E se alguém faltou com educação naquele momento, obviamente fui eu. Não pelo fato de negar sua oferta, mas pela situação.
Compartilho essas palavras porque nós, a grande maioria, faz o mesmo, ou até pior quase todos os dias.
Costumo me esforçar muito para colocar-me na pele dos outros. Trabalho com pessoas, sou fascinado pela mente humana, por emoções. E mesmo assim cometo deslizes. Estou longe de ser o salvador da sociedade e nem possuo pretensões como essa. Como alguém que busca o autoconhecimento, foi afirmada minha imaturidade.
Sugiro reflexões perante este episódio, a fim de instigá-los a uma nova atitude. O garoto merecia aquela resposta, aquele tom de voz quase automático? (Para quem fala não parece automático, mas quem ouve com certeza tem outra percepção). Meu amigo poderia ter ajudado ao invés de consentir com minha resposta? Os colegas das mesas ao lado perderiam muito se tivessem parado um pouco suas conversas para penetrar o sentimento daquele garoto? Alguém perguntou o nome dele? Faltava dinheiro no meu bolso para pagar-lhe uma passagem de ônibus? E no bolso dos demais?
Entenda o Garoto artista como uma personagem do seu cotidiano. Um membro da sua família pelo qual você não se interessa muito, um colega de trabalho com pouca afinidade, alguém que você conhece em local público, pessoas com dificuldade de inclusão social, idosos etc.
A constatação de hoje é mais uma daquelas tradicionais, a de que mesmo nos esforçando muito, ficamos congelados e duros, influenciados pelo nosso pequeno mundo, um egoísmo disfarçado em nossos trejeitos. Uma sensação embalsamada e lacrada para que nós mesmos não tenhamos acesso. Talvez uma forma de não adoecer vendo tanta diferença social e injustiça. Ou, quem sabe, mais um condicionamento que nos cega.
Garoto artista, não vejo a hora de voltar ao café, de estender-lhe minha mão e perguntar seu nome. Imagino o momento de ter a honra de ser desenhado por você. Já visualizo meu grande nariz sendo esculpido pela sua mão e um sorriso enorme por poder-lhe ajudar.
Só peço, por gentileza, que não faça uma caricatura da minha pobreza de espírito naquele dia. No entanto, possui esse direito, pois será um desenho mais real do que a própria imagem que olhei no espelho quando cheguei em casa. Meu reflexo é obliterado pela minha própria interpretação e naquele instante você me viu mais real do que eu mesmo enxerguei.
Parabéns pela sua superação e por me ensinar mais uma lição na vida.
Se você é artista e oferece seu desenho a mim, retribuo com um texto especial que levarei impresso com esperança de reencontrá-lo. Quero scannear sua arte e colocar aqui no meu blog. Um forte abraço.

Ricardo Melo

Um comentário:

Mayara Beckhäuser do Amaral disse...

Lindo texto Rica! Estais se superando na arte dos sentimentos transformados em palavras.
Beeeijos da May!